Cientistas buscam identificar possíveis impactos da linhagem para as vacinas em uso e para os testes de diagnóstico, além das características clínicas como transmissibilidade e gravidade da doença
A estrutura simples faz com que os vírus contem com uma grande capacidade de modificação. Desde o início da pandemia de Covid-19, o coronavírus continua a evoluir, dando origem a muitas linhagens descendentes e até mesmo recombinantes.
Uma das mais recentes é a BQ.1, uma sublinhagem de BA.5, da Ômicron, que carrega mutações em pontos importantes do vírus. A Organização Mundial da Saúde (OMS), que realiza o monitoramento contínuo das diferentes linhagens, aponta que a cepa já foi detectada em 65 países, incluindo o Brasil, e apresenta uma prevalência de 9%.
Diante da identificação de uma nova variante do coronavírus, cientistas buscam identificar possíveis impactos da linhagem para as vacinas em uso e para os testes de diagnóstico, além das características clínicas como transmissibilidade e gravidade da doença.
Pelo menos cinco estados já registram casos da subvariante no país: São Paulo, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Amazonas. Veja o que já se sabe e o que permanece incerto em relação à subvariante BQ.1.
Nova onda de Covid-19
Até o momento, a BQ.1 mostra uma vantagem de crescimento significativa sobre outras sublinhagens da Ômicron circulantes em muitos locais, incluindo Europa e Estados Unidos.
Globalmente, durante o mês de outubro, foram compartilhadas mais de 103 mil sequências do vírus SARS-CoV-2 no banco de dados internacional Gisaid. Desse total, 99,9% foram da variante Ômicron, de acordo com a OMS.
Durante a semana epidemiológica de 10 a 16 de outubro, a BA.5 da Ômicron e suas linhagens descendentes continuaram a ser dominantes no mundo, representando 74,9% das sequências submetidas à plataforma.
Uma comparação entre a primeira e segunda semana de outubro mostra um aumento na prevalência de sequência de 5,7% para 9% da BQ.1. As linhagens descendentes BA.5 com mutações adicionais na proteína Spike, utilizada pelo vírus como porta de entrada nas células humanas, aumentaram em prevalência de 19,5% para 21%.
Os indicadores da OMS vão ao encontro de aumento no número de testes positivos para a Covid-19, conforme aponta um levantamento realizado pela Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma).
“Observamos realmente um aumento no número de casos nas últimas semanas e também no atendimento ambulatorial e hospitalar. Uma alta de pacientes com Covid-19, provavelmente secundário ao aumento da circulação de novas variantes da Ômicron no país”, afirma o médico infectologista Álvaro Furtado, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).
O pesquisador José Eduardo Levi, da Universidade de São Paulo (USP), explica que a BQ.1 apresenta mutações adicionais em comparação com outras linhagens da Ômicron.
“São Ômicron que já têm mais três mutações sobre a BA.5. E in vitro, em laboratório, essas mutações conferem muita resistência aos anticorpos neutralizantes tanto gerados pela vacina quanto por pessoas que tiveram uma infecção por Ômicron BA.1, BA.2 ou BA.4 e BA.5, e foram vacinadas ou não”, afirmou Levi, que também atua nas áreas de pesquisa e desenvolvimento da Rede Dasa.
O pesquisador explica que mutações presentes na proteína Spike podem contribuir para o aumento da transmissibilidade e na capacidade de infecção pelo coronavírus.
“São variantes que vão aumentando a transmissibilidade, nesse caso aqui, algumas outras características de capacidade de fusão também, que aumenta a capacidade de infecção, e um escape muito significativo tanto da resposta imune vacinal quanto pré-exposição, mas também dos anticorpos monoclonais que são usados para tratamento”, pontua.
Levi estima que a flexibilização de medidas de prevenção, como o uso de máscaras e a higienização das mãos, ao lado de eventos que favorecem aglomerações, como a Copa do Mundo e as festas de fim de ano, pode potencializar a transmissão do vírus e o surgimento de uma nova onda da doença no país.
“Vejo com preocupação os dois meses finais do ano. Acho que vai subir mais ainda o número de casos, até por que tivemos as aglomerações eleitorais, não tem tido nenhum tipo de medida de precaução, de medidas preventivas, quase ninguém está usando máscara, estamos aglomerando bastante. Vai ter a Copa e depois as festas de fim de ano, então acho que é possível que a gente tenha uma nova onda em janeiro”, avalia.
Impactos sobre a imunidade e vacinas
Segundo a OMS, é provável que essas mutações adicionais tenham conferido uma vantagem de escape imunológico sobre outras sublinhagens circulantes da Ômicron, o que indica a necessidade de avaliação sobre um risco maior de reinfecção pela doença pela BQ.1.
Em outubro, o Grupo Consultivo Técnico sobre Evolução do Vírus SARS-CoV-2 se reuniu e decidiu em consenso que, com base nas evidências atualmente disponíveis, a sublinhagem não se diferencia da Ômicron em termos de escape à imunidade para ser designada com uma nova classificação.
“Embora até o momento não haja evidências epidemiológicas de que essas sublinhagens tenham um risco substancialmente maior em comparação com outras sublinhagens da Ômicron, observamos que essa avaliação é baseada em dados de nações sentinelas e pode não ser totalmente generalizável para outras configurações. Esforços amplos e sistemáticos baseados em laboratório são urgentemente necessários para fazer tais determinações rapidamente e com interpretabilidade global”, disse o grupo em comunicado.
Com base no conhecimento atualmente disponível, a proteção por vacinas contra a infecção pode ser reduzida, mas não está previsto nenhum impacto importante na proteção contra doença grave. O impacto das alterações imunológicas observadas no escape da vacina ainda não foi estabelecido, segundo a OMS.
Gravidade da doença
Até o momento, não há dados epidemiológicos que sugiram um aumento na gravidade da doença devido à infecção pela BQ.1.
“Se vai causar uma doença mais grave não sabemos, mas vimos que em São Paulo está tendo um aumento de hospitalizações, de internações em UTI, nada comparado com o que já houve no passado, mas houve aumento sim, esse aumento foi significativo agora em outubro”, diz Levi.
O médico infectologista do Hospital das Clínicas Álvaro Furtado, afirma que os pacientes têm apresentado sintomas comuns à infecção.
“As queixas e sintomas são praticamente os mesmos que tivemos anteriormente: coriza, febre, dor de garganta, e sintomas mais leves, especialmente por que as pessoas já estão vacinadas, a maioria delas com esquema pelo menos com duas doses. Não conseguimos observar um aumento no número de internações ainda – claro que alguns pacientes idosos e com comorbidades têm internado mais, mas não em um volume significativo a ponto de vermos o que tivemos nas ondas anteriores, são mais casos leves e ambulatoriais”, diz Furtado.
Uma série de ações permitem reduzir os riscos da transmissão da Covid-19 e de outras doenças como a gripe e resfriados. Além do uso de máscara, medidas de higiene como a lavagem das mãos, o uso de álcool gel e distanciamento de pessoas sintomáticas contribuem para reduzir os riscos da infecção.
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