Cerca 4 bilhões de cigarros importados ilegalmente foram consumidos em 2017, deixando um prejuízo de R$ 500 milhões
De tão nocivos aos pulmões, receberam o apelido de estoura-peito. Deixaram as fábricas do Paraguai e se misturaram como clandestinos na paisagem urbana das principais cidades do Nordeste brasileiro, onde encontraram uma terra para lá de hospitaleira.
Nos fiteiros, barracas ou tabuleiros do comércio popular, difícil é não achar um maço contrabandeado à espera de um fumante, uma névoa de ilegalidade, omissão das autoridades e, claro, sérios riscos à saúde de quem fuma ou inala a fumaça tóxica.
Uma radiografia do comércio da nicotina pirata em Pernambuco, Paraíba, Alagoas e Rio Grande do Norte revela dados assustadores: 4 bilhões de unidades foram consumidas somente em 2017, deixando pra trás um prejuízo de R$ 500 milhões em forma de evasão fiscal. Os números do mercado ilegal só crescem: em Alagoas, o volume da nicotina “genérica” nas ruas aumentou 222% nos últimos três anos, enquanto Pernambuco inflou a presença desses produtos em 149%.
Marcas desconhecidas, com embalagem em espanhol e sem autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), atravessam ilegalmente a fronteira do país vizinho com o Mato Grosso do Sul. Em território brasileiro percorrem longas distâncias escondidos em caminhões para fisgar os bolsos nordestinos com um preço atraente.
Vendidos pela metade do valor dos concorrentes nacionais, conseguem driblar os impostos e se estabelecer em meio ao caos da informalidade. Além dos danos aos cofres públicos, a nicotina paraguaia consegue ser ainda mais prejudicial à saúde do que os similares brasileiros.
Barato, fácil de ser transportado e comercializado, o varejo pirata vem dando bailes nas fiscalizações das autoridades locais, que não conseguem acompanhar o ritmo paraguaio. Por módicos R$ 3 é possível levar um maço clandestino.
Uma extensa rede criminosa pulverizou pelo menos 13 marcas fabricadas legalmente no país vizinho, mas que entram no Brasil de forma ilegal na fronteira com o Mato Grosso do Sul. Nomes como Gift, Eight, Mix 10, Pin Red, Meridian e Golf passaram a povoar as calçadas e prateleiras de estabelecimentos de Natal, Campina Grande, João Pessoa, Recife e Maceió.
No ranking perverso dos quatro estados, os fumantes do Rio Grande do Norte ocupam o segundo lugar, com 893 milhões de unidades de cigarro tragadas pelos potiguares em 2017. Foi lá que Polícia Civil achou, por acaso, em julho deste ano, uma carga clandestina avaliada em R$ 1 milhão na cidade de São Gonçalo do Amarante, Região Metropolitana de Natal. “Estávamos procurando uma carga de achocolatado que tinha sido roubada. Recebemos uma informação sobre esse galpão achando que essa carga estava lá, mas quando entramos flagramos os cigarros ”, recorda Luciano Chaves, delegado adjunto de Roubo de Cargas. Ninguém foi preso e o investigação foi transferida para a Polícia Federal, que não comenta o assunto.
Em terceiro lugar, a Paraíba registrou 883 milhões de cigarros paraguaios vendidos no ano passado. No estado, esse tipo de crime está na mira do delegado Getúlio Machado, titular da Delegacia de Roubos e Furtos de Veículos. Machado não soube informar os números das apreensões, mas, no final de agosto, 10 mil carteiras foram apreendidas pelo Procon em oito cidades.
A última apreensão da polícia, recorda ele, ocorreu há cerca de um ano, quando um depósito caseiro, usado como ponto de distribuição, foi descoberto por sua equipe. O delegado elege a estrutura policial acanhada como álibi dos resultados pouco expressivos: “Tenho doze policiais para investigar todos os tipos de roubos de cargas que acontecem na Paraíba, incluindo (roubos) de eletrodomésticos, alimentos e remédios. Se derem mais estrutura, talvez a coisa seja diferente”.
Na rabeira da lista de volume vendido, Alagoas teve 443 milhões de unidades que foram parar nos cinzeiros em 2017. No entanto, é o estado que apresentou a maior crescimento em relação aos anos anteriores (222%).
Somente em Pernambuco, maior consumidor entre os quatro estados, cerca de 1,8 bilhão de cigarros contrabandeados foram consumidos no ano passado. Para descortinar o tamanho do problema, é como se os 144 mil quilômetros que separam a Terra do Sol fossem interligados por uma imensa fileira indiana com todos os cigarros piratas acesos no estado em 2017, quando mais da metade de todos os maços tinha DNA paraguaio.
Em vários pontos da capital pernambucana, uma carteira clandestina das marcas Gift ou Mix pode ser levada pela pechincha de R$ 2,50 no entorno do Camelódromo da Avenida Dantas Barreto, no bairro de Santo Antônio. A evasão fiscal – ou seja, o que os estados deixaram de arrecadar em impostos – chegou a R$ 204 milhões em 2017.
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