Levantamento mostra que impacto pode chegar a R$ 36 bilhões em custos ao setor já no primeiro ano (crédito: Silvio Avila/AFP)
Enquanto enfermeiros de todo o país aguardam a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) para saber se receberão o piso salarial da categoria, outros grupos de profissionais mantêm intensa mobilização nos corredores do Congresso Nacional para garantir os mesmos direitos. Atualmente, há 53 projetos de lei que visam regulamentar salários e jornada de trabalho de nove profissões da área de saúde. Entidades alertam, contudo, que medidas podem acarretar em novas jornadas judiciais, uma vez que tais conquistas impactam o orçamento tanto do setor privado quanto do público.
Levantamentos da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde) e da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) apontam que os projetos de lei em tramitação para fixar piso salarial e jornadas de trabalho de empregados da saúde na Câmara dos Deputados e no Senado podem causar impacto de R$ 36 bilhões em custos ao setor já no primeiro ano, e assim consecutivamente.
O cálculo já abrange o piso da enfermagem, que motivou uma série de mobilizações nacionais sobre o tema. No último 10 de agosto, a CNSaúde e outras sete entidades, entre elas a Federação Brasileira de Hospitais (FBH), pediram a suspensão da Lei nº 14.314/2022, que estabelece o piso de enfermeiros em R$ 4.750; 75% desse valor para técnicos de enfermagem e 50% para auxiliares de enfermagem e parteiras.
As manifestações das partes na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7222 foram concluídas, ao menos de forma preliminar, nesta semana, e a decisão é aguardada pelas partes interessadas. Atualmente, mais de 10 entidades de classe se manifestaram em defesa do piso. A principal crítica é quanto ao fato de a lei não apontar uma fonte de recursos pagadoras, especialmente, para os hospitais que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS) e os filantrópicos, que cobrem despesas também com doações.
Exemplo dessa situação são as decisões judiciais obtidas pelas Santas Casas de Misericórdia de Belo Horizonte (MG) e de São José dos Campos (SP), pelas quais os hospitais filantrópicos garantiram o contingenciamento de recursos suficientes para pagar o piso, a partir de bloqueios no Fundo Nacional de Saúde e, de forma sucessiva, em contas de fundos de saúde estaduais e municipais.
A CNSaúde avalia que os novos pisos salariais provocariam uma avalanche de mobilizações, uma vez que o impacto orçamentário seria impraticável e insustentável por razão similar à disputa com os enfermeiros.
Depois do PL que beneficia os enfermeiros, o projeto mais próximo de virar lei é aquele que sanciona o piso salarial de fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, na terça-feira passada, em caráter terminativo na Casa, e que seguirá para a Câmara dos Deputados, caso não haja recurso para votação em plenário.
O PL nº 1.731/2021 fixa o piso salarial de fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais em R$ 4,8 mil, com jornada de 30 horas semanais. De autoria do senador Angelo Coronel (PSD-BA), o projeto de lei recebeu parecer favorável do relator, o senador Romário (PL-RJ). "No Brasil, há cerca de 350 mil profissionais habilitados que serão beneficiados com essa medida", destacou o parlamentar ao defender a matéria durante a audiência da CAE.
Folha de pagamento
A questão preocupa entidades do setor. Se aprovados, os projetos terão impactos na estrutura. O valor da bolsa de estudos de um médico residente que substitui o salário, por exemplo, passaria de R$ 3.330,43 para R$ 11.865,60, equiparado à bolsa de estudos do Projeto Mais Médicos para o Brasil. Com isso, causaria impacto de R$ 13 bilhões por ano.
Eduardo Trindade, médico e ex-presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul, diz que o problema está mesmo na folha de pagamento, cuja movimentação implica tanto na garantia quanto na qualidade do atendimento à população.
"A questão do piso salarial para as profissões da saúde é que podem encarecer muito o sistema. No caso do piso da enfermagem, observou-se um aumento da demissão tanto de técnicos quanto de auxiliares de enfermagem e enfermeiros. Muitas instituições acabam reduzindo os seus quadros de profissionais devido aos novos valores", avalia o gestor.
Também preocupa o fato de a normatização das carreiras não acompanharem outros temas que prejudicam o desempenho dos profissionais, e que esses avanços esbarrem em problemas comuns. "Apesar de ocorrerem abusos, inclusive concursos públicos com salários aviltantes, inclusive para médico, se ocorrer a aprovação de planos de carreira para outras profissões pode ocorrer uma redução dos postos de trabalho e, consequentemente, uma maior dificuldade de acesso dos pacientes a esses profissionais", conta.
Por isso mesmo, novos embates judiciais já são aguardados caso os novos pisos passem a vigorar, lembrando que, embora o governo e o Sistema Único de Saúde (SUS) sejam as maiores fontes de recursos, não são as únicas. "Provável que haja maior judicialização do tema, tanto na tentativa de barrar a lei que estabeleceu o piso quanto na tabela de remuneração do SUS que está congelada (e com valores irrisórios) há muitos anos. Em termos gerais, vale lembrar que fonte de financiamento não é apenas o governo", disse, referindo-se a clínicas particulares e planos de saúde.
Por: Michelle Portela - Correio Braziliense
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